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ANALISE PSIQUIÁTRICA CONTRÁRIA AO LAUDO JUDICIAL QUE DIZ QUE , CADÚ, HOMICIDA DE GLAUCO (cartunista)

  • marcelofcaixeta
  • 12 de abr. de 2015
  • 5 min de leitura

cartoon glauco.jpg

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Em nosso artigo no Diário da Manhã do último domingo, ( acesso livre em dm.com.br ) 12.4.15, tecemos algumas considerações psiquiátricas sobre como a maioridade dos adolescentes deve ou não ser responsabilizada por seus crimes

Sobre este artigo, eu recebi uma brilhante argumentação do internauta X, advogado : “ Marcelo, nunca entendi como vocês, psiquiatras criminais, se “viram” com o nosso Código Penal, com aquele seu ítem que fala sobre o fato do criminoso ter ou não capacidade de determinar-se ( ou seja, ter uma vontade suficiente para deter seu impulso ) de acordo com o entendimento que eles têm, ou não, do seu ato criminoso ( alguns , devido à doença mental, não conseguem entender que o ato é criminoso; outros, também devido à doença mental, não conseguem ter uma vontade grande o suficiente para dominarem-se , mesmo sabendo que o ato é criminoso ) . Estas dificuldades, pelo que me parece, Marcelo, torna todos os criminosos inimputáveis ( “doentes mentais” ) , dado que a maior prova de que não puderam "determinar- se" é o fato de terem delinquido. Isto qe eu falei acima tem sua aplicação prática num acontecimento recente : uma junta de psicólogos e psiquiatras disseram que Cadú, homicida de Glauco, de seu filho e, depois de solto, de mais duas pessoas, veio a público dizendo que o rapaz não tem “doença mental” ( ou seja, ele tem entendimento sobre o crime e tem capacidade de ter vontade para não praticar o crime que ele sabe que é um ilícito penal ) . Como poder acreditar na psiquiatria, ou nos psiquiatras, Marcelo, sendo que quando Cadú cometeu seu primeiro crime, foi diagnosticado pelos psiquiatras com a pior doença mental que possa existir, a esquizofrenia ? E agora não tem nada ? Não é inconsistente” ?

Agora eu digo : Brilhantes argumentações, internauta X, mesmo que contrárias e críticas aos psiquiatras, grupo do qual faço parte ( o importante é não ofender-se e sim alimenar o debate ). Vou dividir as respostas em duas : primeiro falando da relação entre a “vontade” e o entendimento. E depois falando do caso Cadú.

De fato, grande parte dos criminosos que lotam penitenciárias têm reduzida capacidade de deliberar-se . Os criminosos que tem capacidade de deliberar-se, os "inteligentes", os que tem capacidade cognitiva para planejar-se e safar-se, os "espertos", estes não estão nas cadeias, estes estão nas empresas, no Governo, no Congresso, etc . Isso sem falar na mais complexa ainda relação entre o entendimento cognitivo do ato ilícito ( “saber” que é crime ou não ) e a capacidade de deliberação ( vontade para deter o impulso ). Já Espinosa dizia que "vontade" não é desejo, desejo é "instinto", vontade é outra coisa : vontade é cognição, ou seja, vontade é entendimento. O filósofo holandês jogava por terra esta formulazinha "furada" do Código Penal ( e que , sem assistência adequada de psiquiatras, parece que vai persistir na reformulação do C.P. ) de que "entendimento" pode ser separado da vontade. As duas coisas são prrofundamente amalgamadas. Por exemplo, pegue um pedófilo, ele dirá que "sim, sabe que molestar crianças é errado". No entanto, "sua vontade" o compunge em outra direção. Pois bem, esta vontade terá repercussões em sua cognição, e vice-versa. Grande parte dos pedófilos, quando explorados profundamente do ponto de vista psiquiátrico, acreditam ,de fato , que "são como crianças", ou ainda, que "as crianças são como eles". Acreditam ( e Freud lhes dá respaldo nisto ) que as crianças tem uma sexualidade e que, como a sexualidade deles é imatura , como a das crianças, não haveria problema se a exercessem em grau de simetria com elas. “Elas também gostam”, “elas também querem”, “isso faz parte da mente delas”, “eu não as maculo, apenas sigo a mesma natureza delas”. Então, na verdade, lá no fundo, eles não “sabem”, não “acreditam”, que há algo errado em fazer sexo com crianças. O pensamento precisa de vontade para executar-se ( sem uma vontade adequada o pensamento se torna vago e frouxo, como o do paciente com esquizofrenia ) , e , igualmente, sem pensamento não há vontade , pois é por meio do pensamento que nós “mandamos em nosso próprio comportamento”, ou seja, exercemos a vontade, por meio de pensamentos que nos controlam a nós mesmos . Nossa vontade é feita de ordens que nós damos a nós mesmos e estas ordens são exercidas por meio do pensamento. Portanto não há vontade sem pensamento, e sem vontade forte o pensamento se perde ou se paralisa . Cognição e Volição, como se vê aqui, imbricam-se de modo inextrincável, são praticamente a mesma coisa. Faz parte da cognição dos pedófilos a crença de que as crianças tem o direito de exercerem sua sexualidade , assim como faz parte de suas convicções internas aquela de que eles tem uma sexualidade imatura simétrica a das crianças, daí terem o "direito" de exercê-la enquanto tal. Mais uma vez, "volição e cognição" completamente misturadas, longe da "divisão didática" que o Código Penal quer estabelecer entre elas.

O advogado X mostrou genialmente que entendeu esta discrepância. Mostrou que um indivíduo que “sabe” que é crime o que está fazendo e o faz assim mesmo tem algum problema na mente. “Saber” alguma coisa, como mostra o filósofo Wittgenstein ( conforme o seu “Da Certeza”, Ed. 70 ), é também ter uma convicção volitiva, convicção de vontade. Se uma pessoa diz “saber”, de fato, que algo não deve ser feito, e o faz assim mesmo, isto é sinal de que ela não o “sabe” de fato. Se eu “sei” que algo não deve ser feito e o faço é porque, lá no fundo, acho que aquele saber tem alguma exceção : “é ruim , mas só para os outros, para mim não”; “é ruim, mas não é tão ruim assim”; “é ruim, mas eu posso fazer”; “é ruim, mas o prazer que eu vou ter com isto é melhor e cobre a ruindade”. Isto mostra que ele, de fato, não “tem convicção plena da ruindade de seu ato”. Por outro lado, se diz assim : “é ruim, mas eu não consigo deter-me, vou fazer assim mesmo”, isto já indica um problema biológico ( p.ex., incapacidade de deter o próprio prazer, deter o próprio corpo, deter a própria biologia ), e problema biológico, como sabemos , é doença.

Nosso pensamento, como já o mostrou Vygotsky, é fruto de nossas relações sociais. Em muitos casos o nosso pensamento é contrário à nossa biologia : p.ex., nossa biologia pode até querer sair transando com todo mundo por aí, mas nossas relações sociais mostram que isto é deletério para o mundo, nossa família, nossos amigos, nosso trabalho, etc. Tal pensamento social, quando tem uma “vontade poderosa” por trás dele, irá procurar modos de atuar volitivamente sobre a biologia ( p.ex., “tomar banho frio” para apagar o fogo libidinoso ). O pensamento irá procurar meios para “desviar a vontade”. No entanto, como vimos, é também a própria vontade que, numa postura moralista, “força o pensamento” a mudar a biologia. Ou seja, é uma “vontade mais profunda” trabalhando o pensamento e o pensamento, por sua vez, trabalhando a “vontade mais superficial”, aquela que vai usar recursos , estratégias, para dominar a biologia. Quais as diferenças, então, entre esta “vontade profunda” e a “vontade superficial”? É um assunto tão complexo que gastei mais de 1.000 páginas escrevendo um livro sobre isto, “Psiquiatria da Atividade Intelectiva”, ou “Neuropsicologia Cognitiva” ( não me decedi ainda pelo nome ) , Editora Sparta, a ser publicado em breve. Não dá para explicar neste curto espaço.

Em nosso próximo artigo, sexta-feira, aplicaremos de modo crítico estes princípios psiquiátricos exarados acima ao recente laudo judicial do Cadú, homicida do cartunista Glauco e de mais três pessoas, que diz que ele não tem doença mental, ou seja que tem condições de entender o ilícito de seus atos e tem condições de deliberar-se de acordo com este entendimento.

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Marcelo Caixeta é médico, especialista em psiquiatria do adolescente pela Universidade de Paris XI e em psiquiatria criminal ( forense ) pela Associação Brasileira de Psiquiatria


 
 
 

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