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A INCRÍVEL HISTÓRIA DOS MÉDICOS ANTI-AUTORITÁRIOS QUE TRANSFORMARAM SEU PRÓPRIO e “ABOMINÁVEL MANICÔ


Bom dia, Marcelo. Gostaria de te enviar um comunicado da posse do novo diretor do antigo Hospital Psiquiátrico de X , por onde já passaram ilustres colegas. Lá foi onde comecei a trabalhar, ainda como residente , dando plantões de emergência. 27 anos de minha vida dedicados àquela instituição, que também se destina, ou destinava-se a formação de novos psiquiatras. Abri mão há 6 anos do vínculo com o hospital por indignação com o baixo salário, escassez de recursos, falta constante de materiais básicos e medicamentos, atrasos nos pagamentos dos prestadores de serviço que trabalham sem o menor respaldo trabalhista. Ver aquele hospital virar um CAPS me causou tristeza e ler sobre a forma como ocorreu a posse, curiosidade médica. Gostaria da sua avaliação psiquiátrica. Quem escreve inicialmente o referido e-mail é o novo diretor, médico psiquiatra, ex-aluno do ilustra professor X, ex-coordenador nacional do Programa Y, que tem experiência de trabalho em psiquiatria e psicanálise de longa data, no Brasil e na Europa. O seguinte é o relato do ex-diretor, médico psiquiatra Z, que manteve-se por décadas à frente da direção e do trabalho de desisntitucionalização. Ass. Médico K Há 18 horas Marcelofcaixeta @ gmail.com ............................................................................................................... Queridos, Por uma decisão política e resultante do movimento do FORUM de Trabalhadores de Saude Mental e da Associação de Usuários e Familiares de saúde mental, fui empossado Diretor do Hospital Psiquiátrico de X que agora passa a se denominar Unidade Transitória para Atenção Psicossocial . Na verdade tenho a missão de dirigir um processo que acaba com a estrutura manicomial e encaminha seus pacientes e trabalhadores para os dispositivos previstos na Reforma Psiquiátrica. Move-me um plus de energia do ato de posse e descrito abaixo. Leiam. Sintam meu abraço, Ass. Médico X. Prezados Colegas, Ontem a posse do colega Y em X foi especial. Começou com as pessoas chegando devagar, se encontrando na entrada, conversando, e entrando para o auditório. Mesa arrumada, microfones ligados, o médico X pede a Z que escreva no quadro "Unidade Transitória de Atenção Psicossocial". Enquanto ele escreve, pessoa 1 e pessoa 2 tomaram a palavra ao microfone para cantar, recitar pequenos versos, fazer comentários sobre a diretora que saiu, ou expressar opiniões sobre qualquer coisa. O auditório assistia, aplaudia a cada intervenção. Outros pacientes foram chegando, fazendo uma pequena fila para falar nessa tribuna livre. Isso durou pelo menos uns 15 ou 20 minutos. Ninguém se propôs a por alguma ordem naquela tribuna. Pessoa 3 pareceu que ia fazer isso, e fez uma fala mais dirigida para a secretária e para a luta da associação de usuários por uma assistência de qualidade. Disse que tinha vergonha de levar alguém ao Caps X e verem o estado de miséria em que estava. Essa era a miséria da rede. Novas vozes ocupam o microfone para falar sobre Dilma, inflação, falta de remédios, poesias, musicas. Pessoa 2 toma o microfone e balbucia algo como um chamado à secretária de saúde que então assume a mesa e convida X e Y . A fala da secretária foi curta, objetiva, simples, clara, articulada e respeitosa. Sua espera, sua presença tinha sido até então a prova de seu respeito. Pessoa X falou brevemente, exortou os colegas a um novo tempo, e deu a palavra a médico Y . Enquanto isso esse palco de posse era atravessado todo o tempo pelas falas, entradas e saídas, gestos, brincadeiras, feitas por pessoa 5, pessoa 6 , e outros. Em determinado momento enquanto médico Z falava, pessoa 11 colocava folhas de árvore em sua cabeça. Parecia que coroava ou ungia um lorde, ou um cavaleiro. Médico falava do que estava lhe acontecendo desde as últimas semanas, atravessado que fora pelo que chamou de um surto, ou de momentos de irrupção em seu corpo e sua mente, de sensações, imagens, lembranças várias, algumas assustadoras, outras enigmáticas, outras comoventes. Com a presença e ajuda do Forum sua loucura pudera ser incluída, passara a fazer parte do que fazia, do que fazia em ato. Pagava um preço, quase não dormia, seu corpo tremia, sua emoção comovia, seu humor se exaltava, sua impaciência eclodia, e seguia trabalhando com os colegas do Forum e da associação . Começara seu discurso de posse dizendo que a normalidade dá muito trabalho, que não é tão simples e espontânea como se pensa. Disse que essa loucura, a sua e de seus pacientes, lhe permitira uma sensibilidade única, uma direção estranha mas que produzia efeitos. Chegara ali por um pedido do prefeito, e por um compromisso. O de liderar um trabalho de transformação do hospital em uma unidade de atenção psicossocial. Chamara essa unidade de Caps 4 em alguns momentos, e nem sabia porque. Talvez porque levasse em conta alguma coisa para além do que é um Caps 3. Esse Caps 4 ficou como um enigma para ele e para nós. Talvez sirva como uma luz que nos oriente para um além. Enquanto falava outros discursos atravessavam a sala, tomavam o microfone, exigiam que ele dialogasse com eles- e ele sempre fez isso, e com todos os que tomaram a palavra ali naquele forum, naquele cenário de teatro do oprimido ou teatro da vida-, e não se perdia no que dirigia aos seus pares. Estava ali para liderar uma transformação, um remanejamento na função daquilo que até então havia sido um hospital, para uma outra coisa. O futuro do hospital enquanto unidade física já tinha sido selado pela administração municipal, e seria atravessado pelas vias de acesso ao novo túnel. O futuro dessa nova unidade, transitória, como fez questão de enfatizar, irá depender de cada um, do que cada um quiser fazer para construir um outro lugar. Outros acessos. Do hospital falou que certamente é um lugar amado por muitos, profissionais e pacientes. E que agora caberia a cada um dizer o que quer fazer, como quer fazer, com que meios, para estar em outros lugares. A saída do hospital implica numa ocupação de outros terrenos, de outros territórios. E era para esse trabalho de construção de outros lugares, e mesmo de fortalecimento de muitos que já existem e que poderão ser aprimorados com os recursos do hospital, que ele havia sido convidado e responsabilizado pelo prefeito. Enquanto isso, o coro dos pacientes cantava, batia palmas, batia na madeira, corria por debaixo da mesa, se infiltrava nas cadeiras, circulava. E médico Z não tentou, em momento algum, fazer esse coro, essas vozes, esses discursos, se normalizarem, se articularem com o seu. Eles o atravessavam, produziam respostas ou mesmo para-respostas, e faziam seu curso. Cada qual seguia seu curso sem exigir que o outro seguisse o próprio. Para alguns um cenário louco, é possivel, para outros uma experiência viva do que é a convivência num dispositivo de atenção psicossocial. Essa posse realizou em ato a matriz de trabalho da atenção psicossocial. É algo pode ofender nossa normalidade, nossas exigências de tudo regrado e de bom senso. Mas naquele dia isso foi suportado pelo público, e de uma forma espontânea. Não se pediu aos técnicos que fizessem os pacientes sair, ou se calar, ou se comportarem. Não se parou o trabalho de posse ou o discurso para dar lugar de forma caridosa à palavra dos pacientes. Os pacientes falavam no foro, e as autoridades também. Ás vezes pareceram falar uns com os outros, mas isso não era o mais importante. Também se fez surgir nesse foro a presença em ausência do Mèdico A , chamando seus residentes para sua aula de psiquiatria. Pobre médico A , quanto desrespeito, quanta falta de solenidade, quanta fuga da realidade, quanto desserviço aos novos residentes privando-os de algo fundamental e único. Já para o final Médico Y diz que a única indicação de lugar que vai fazer é para pessoa 12 e o convida para ser seu secretário particular. O que ele aceita de pronto. Quanto aos outros lugares e funções, a cada um de dizer para o que veio, para o que está ali, e como pretende seguir. Assim se fez esse novo começo. Que os tempos da Páscoa- que tem sido um tempo de transformação em minha vida em algumas situações nos últimos anos- nos protejam, e nos amparem! Ass. Médico X (se quiserem dar a ouvir a outros o que se passou nessa data, vindo destas forma, neste email, têm a minha autorização) ................................................................................................... Eu Marcelo Caixeta, diria : Caro colega médico K, em primeiro lugar tomei a liberdade de colocar tudo no anonimato pois a discussão aqui, ao meu ver, não é de pessoas, grupos, mas sim de instituições e de um determinado momento político-psico-social mais ou menos disseminado . O que vemos acima é um fragmento dO "gozo da anarquia". O “discurso libertador, aquele que " assassina o Pai com gozo sádico travestido de doce libertação " ( viu com que sádico gozo o colega ironizou o preceptor e os residentes de psiquiatria ? os abomináveis representantes da truculenta-científica psiquiatria ?) . Temo que Um dia , quando estiverem precisando de um “fálico/autoritário/científico/orgulhoso médico na UTI”, para si ou para os Entes queridos, terão de descobrir a paradoxal trágica sina acoplada ao doce prazer médico santificante de ser "pai", não em busca da " autoridade perdida que não volta mais", mas sim da felicidade que existe no "cuidar" com ciência e responsabilidade. O médico K diz : A foraclusão do nome do pai caminhando de braços dados com a desinstitucionalização. Nunca vi tantos psicóticos indigentes perambulando pela cidade, Marcelo. Tristeza. Eu diria : Médico K, notamos em tudo isto acima coisas muito importantes : o governismo + esquerdismo + “assembleísmo democrático” + surrealismo + a “doce psicose de ser livre, ser feliz, não ter amarras” + a doce convivência com os iguais + a morte prazerosa do : pai\homem autoritário\médico\hospital\ciência\poder\empresário\homem privado\homem orgulhoso\homem-que-toma-decisões-isoladas\ iniciativa privada. O que é Governo é palco do que é “social”. No “social” não há lugar para a “figura isolada” , autoritária, “científica” , do médico, não há lugar da instituição autoritária do “Hospital”. Temos é de “conviver”, todos têm a mesma voz ( não é lindo ? ) , não “mandar”, não “etiquetar”, não “estudar”, não “colocar ordem”, não separar, não segregar. A “transitoriedade do psicossocial” é muito mais “libertadora” do que a “psiquiatrização do hospital”. A destruição do “falo” passa pela “dês-medicalização”, pela “dês-psiquiatrização”, pela “dês-hospitalização”. Nada de “hospital de urgência” e sim , a libertadora e alegre “UPA” ( “upa-upa-upa cavalinho alazão, traz o meu bem, não brinca comigo não”...) . Na psiquiatria é muito fácil matar a ciência. É fácil engambelar, é fácil dopar, com o universal “haldol+fenergan”, todo mundo, tenha que “doença” ( ?) for. É o palco ideal para a “Medicina do Oprimido”. O que é uma “simples” discinesia tardia produzida pelo haldol+fenergan prescritos errados se o portador desta é tributário do “gôzo de se manifestar em toda sua plenitude e igualdade ?”. O amor é maior que a ciência. O amor é maior do que a autoridade. O amor é maior do que a instituição. No “gozo da plenitude, da igualdade, da liberdade”, não há lugar para o “ser isolado do empresário”, do “chefe”, do “sabe-mais”, do “manda-mais”. É por isto que este gôzo só pode existir no âmbito do que é Governamental, Social, Público, Comunitário. Por isso precisamos de “fóruns”, “associações”, “coletivos”, “colegiados”, etc. O problema é que, como se vê nas entrelinhas do discurso singelo acima, o que é “público” não funciona ( “dá vergonha ir no Caps X” ). Mas isto é fácil de resolver, pois a própria “funcionalidade” é um critério “empresário-burguês” : prá quê as coisas precisam funcionar se na anarquia somos todos iguais, libertos, manifestos, felizes ? Mesmo com a discinesia tardia ? A discinesia tardia é apenas um detalhe biológico e a biologia também é burguesa. Nã o há problema, o discurso anula a biologia, a lei anula a biologia, os “decretos centrais do Governo” anulam a biologia. ....................................................................... Marcelo Caixeta é, autoritariamente, um fálico “médico psiquiatra” ( confesso que depois do que vi acima, tenho até vergonha disto, mas até agora não arranjei outro meio de tratar bem um “ser humano portador de sofrimento psíquico” – assim como o Ministério da Saúde, uso este termo porque a “doença” não existe ).


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