LAUDO PSICOLÓGICO JUDICIAL DIZ QUE CADÚ ( homicida do cartunista Glauco ) NÃO TEM DOENÇA MENTAL. UMA
- marcelofcaixeta
- 15 de abr. de 2015
- 5 min de leitura

Discutindo com internautas em meu blog ( www.marcelofcaixeta.wix.com/marcelo ) um eles, brilhante advogado, lançou-me uma provocação e, ao mesmo tempo, um desafio . Diz ele : uma junta de psicólogos e psiquiatras da Justiça aí de Goiás disse que Cadú - homicida de Glauco, de seu filho e, depois de solto, de mais duas pessoas - veio a público dizendo que o rapaz não tem nenhuma doença mental ( ou seja, ele tem entendimento sobre o crime e tem capacidade de ter vontade suficiente para não praticar o crime que ele sabe que é um ilícito penal ) . Como poder acreditar na psiquiatria, ou nos psiquiatras, Marcelo, sendo que quando Cadú cometeu seu primeiro crime, foi diagnosticado pelos psiquiatras com a pior doença mental que possa existir, a esquizofrenia ? E agora não tem nada ? Não é inconsistente” ?
Eu digo : brilhante argumentação, amigo “X”. Eu me defendo : quando Cadú matou Glauco e o filho, num aparente surto psicótico tóxico ( chá do Santo Daime ? Maconha ? ) , disseram que ele era esquizofrênico. Eu questionei. Argumentei que, pela história pregressa do rapaz ( hiperatividade, extrovertido, inteligente, ativo, estudava, comportamento delinquencial, impulsividade, tinha relações sociais, namoros, gostava de “curtir a vida”, abuso de drogas, etc), o mais provável é que tivesse um transtorno bipolar e que, em decorrência do uso de drogas, poderia ter ficado psicótico. Drogas - sobretudo a maconha e as drogas alucinógenas ( LSD, Ayurasca, cogumelo, etc ) - podem gerar , nos doentes bipolares, psicoses muito parecidas com a esquizofrenia, talvez daí a confusão. Só que o esquizofrênico, ao contrário de Cadú, é uma pessoa que tem gravíssimas dificuldades sociais, com amigos, relacionamentos , namoradas, festas , tem gravíssimos problemas de vontade - geralmente ficam em casa parados o tempo todo - , tem gravíssimos problemas do pensamento , não falam coisas com coisas, criam palavras ininteligíveis, discurso completamente sem lógica, sentem-se completamente controlados e dominados ( corpo e mente ) por seres extraterrestres, sentem , por exemplo, que seu braço está sendo substituído por um braço mecânico, sentem que seu pênis foi transplantado, etc. Nada disto consta na história pregressa de Cadú. Conclusão lógica : tem de se ter muita experiência e conhecimento psiquiátrico para separar uma “psicose esquizofreniforme” causada por drogas em um bipolar da verdadeira esquizofrenia. Ao que sei, Cadú nunca recebeu este diagnóstico e seu consequente correto tratamento. Saiu da prisão sem isto, foi alocado em uma estrutura governamental, CAPS - centro de psicologia social do governo - sem assistência de um médico experiente, teórica e clinicamente, isto é, especializado em doenças mentais ( médico psiquiatra ). O acompanhamento médico-psiquiátrico, portanto, era falho neste sentido. Caso grave e difícil como este deveria receber toda pressão judicial para que fosse atendido por médico especialista, se não em psiquiatria forense, pelo menos, no mínimo, por um médico psiquiatra. Mas as estruturas de CAPS no Brasil raramente oferecem médico psiquiatra, ou seja, oficialmente especialista em psiquiatria ( quando os há, de modo geral, são clínicos gerais que atendem psiquiatria, o que é bem diferente - pelo menos do ponto de vista oficial - de um médico psiquiatra ). Sem médico psiquiatra, sem diagnóstico correto, sem consequente tratamento correto, voltou a recair, voltou a delinquir. Agora, paradoxalmente, sai um relato nas diferentes mídias de que Cadú “não tem nada”, é pessoa normal que poderia entender que o que ele faz é errado e que poderia , caso quisesse, controlar seus impulsos. “Tipo assim”, em resumo : “ele sabe que matar é errado, e sabe controlar seus impulsos, por exemplo, não mata ninguém na frente da polícia; portanto não é louco, é normal, tem de ser punido, não tratado”. O que caracteriza um “criminoso normal”, p.ex., um criminoso do colarinho branco, empresário, político, governante, “espertalhão”, é que ele tem plena liberdade de vontade e de inteligência para escolher ou não praticar um crime. A pergunta é : “Cadú é uma pessoa que tem plena liberdade para escolher entre ser ou não um desequilibrado ?”. Vejamos : é um rapaz bem-apessoado, bonito, aparentemente inteligente, aparentemente tem uma família boa, isto é, que se preocupa com ele, é alguém que tem recursos materiais, pelo que se diz já até começou três cursos universitários, psicologia, direito, gastronomia (?), etc. Mas, pelo que se vê, “escolheu” viver nas ruas, na marginalidade, drogado, sujo, na vagabundagem, dependente quimicamente de substâncias psicoativas, “tocando o terror”, bebendo, batendo carros, namoros, agredindo, matando, etc. Quando comecei na psiquiatria, há 30 anos atrás, pensava que uma pessoa desta estava “escohendo” esta vida de curtição, frieza, inconsequência, falta de consideração à sociedade, à família, aos entes mais queridos. Como toda a sociedade brasileira, no fundo eu sou também “mau” e gostaria de ver este pessoal apodrecer na cadeia, ou até mesmo morto. No entanto, 30 anos de psiquiatria, me obrigaram a mudar minha opinião. Vi que , em casos onde a família segue corretamente o tratamento de seus filhos doentes, a “psicopatia” pode mudar da água para o vinho. Já vi os tais “psicopatas incuráveis” virarem filhos amorosos e concernidos com os pais e com a sociedade após tratramento adequado. Vi seus exames médicos alterados ( PET-Scan, SPECT, RM, TC, EEG ). Repito, sou um cara duro, frio, mau, racionalista, não gosto de passar a “mãozinha na cabeça de ninguém”, mas tenho de dobrar-me à evidência de que isto é doença. Em muitos casos são doenças associadas com disfunção familiar, p.ex., pai ausente, mãe alcoolizada, desvios sexuais, pais delinquentes, abusivos, agressivos, incestuosos, prostituição, drogas, etc, mas isto também, em grande parte, deve-se à genética dos pais, pois este tipo de transtorno mental pode ser hereditário, biológico.
Sei que, se por um lado a “sociedade quer sangue”, muitos pais, ao contrário, querem simplesmente “pagar um laudo médico e livrarem seus filhos da cadeia” . Psiquiatras, em muitos casos, “obedecem” os imperativos de uns ou de outros, ou por medo da mídia e da comoção pública, ou por ganhos secundários. Isto faz com que a sociedade veja o trabalho psiquiátrico nestes casos com desconfiança : ora somos pegos em contradições insustentáveis , como o advogado apontou acima ( “prá vocês ou é esquizofrênico ou é normal” ), ora somos acusados de sermos “médicos de porta de cadeia” cujo objetivo é livrar os “malas” da cadeia. Gostaria de deixar claro que, eu particularmente, não trabalho deste jeito, estou aqui dizendo-o publicamente, ou seja, “não trabalho para livrar ninguém da cadeia”. E, principalmente, isto é o mais importante, para mim doença mental não é sinônimo de liberdade, pelo contrário. Casos de doença mental agressiva , perigosa, teria de ser tratada em regime de exclusão social , em alas ou hospitais psiquiátricos de segurança máxima. Tal exclusão só seria levantada quando houvesse - se houvesse - inequívocos indícios de melhora clínica, após inúmeras avaliações, inclusive por meios objetivos. Há pacientes que, por serem muito graves, provavelmente nunca poderiam deixar a instituição. E, caso as numerosas avaliações, os numerosos anos reclusos, apontassem para uma recuperação, o tratamento ambulatorial deveria ser estritamente seguido, com atendimento psiquiátrico bi-semanal ( com médicos psiquiatras de verdade, especialistas, de preferência especialistas forenses ), medicação, psicoterapia, assistentes sociais verificando se está trabalhando, se está adaptando-se à sociedade, exames toxicológicos quinzenais, tornozeleira, exames de sangue seriados para ver se está usando corretamente a medicação, exames cerebrais para verificar se houve melhora. Nada disto é muito difícil de ser feito, sobretudo em pacientes que têm facilidades econômicas. O problema é que a fiscalização e operacionalização disto no Brasil, como se viu no caso Cadú, parece deixar a desejar... Aí, eliminando-se o “incômodo” deste mal-funcionamento das instituições, parece mais fácil dizer-se que “ele não tem nada” e tem é de ficar preso mesmo. É claro que antes ficar mesmo preso do que ficar numa estrutura jurídico-psiquiátrica que não funciona, pelo menos assim a sociedade está “protegida”. Até posso concordar com esta visão das coisas,no entanto, como um técnico da área, me sinto na obrigação de tentar desvendar o que está por trás disto tudo.
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Marcelo Caixeta é médico, especialista em psiquiatria criminal ( forense ) pela Associação Brasileira de Psiquiatria . ( artigos no Diário da Manhã, dm.com.br, as terças, sextas, domingos ).
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